Pequenos cuidados em campo para evitar acidentes indesejados

Vespeiro sem a presença dos insetos.

No nosso dia a dia, em nossas residências, mesmo conhecendo todos os obstáculos e objetos, acabamos nos acidentando, não é verdade? Agora imagine adentrar na natureza, ambientes que mudam a todo momento e a todo instante, quais as probabilidades de nos acidentarmos nestes locais?

Não importa o tipo de local que deseja visitar, campo ou floresta, todo o cuidado é pouco (imagine você, se deparando com um vespeiro como da figura acima, se você mexe nele, pode gerar acidente grave, podendo levar a morte - sua morte).

E hoje vamos dedicar nosso tempo para abordar de modo breve, sobre cuidados básicos para se ir a um campo ou ambiente natural, sendo este material dedicado ao publico geral, trilheiros(as) e, principalmente, profissionais da área ambiental de início de carreira ou acadêmico universitário.

Nunca vá a campo sozinho(a)

Isso pode parecer um recado de praxe, mas é algo extremamente valioso. Eu já fiz campos sozinho? Sim. Me senti seguro? Nadica de nada! Faria campo sozinho novamente? Em ultimo caso.

Imagina então, uma pessoa acostumada a entrar numa floresta, se recusa a adentrar sozinho, mesmo que seja campo aberto… que dirá aventureiros(as) de primeira viagem.

Ah, mas o campo é só de pastagem, não tem arbustos nem árvores que possam abrigar animais. Será? Em ambientes quentes, com boa luminosidade, agrada lagartos e cobras, imagine um acidente com esses animais. Agora pense: vespeiro, colmeia de abelha, formigueiro, mal-estar, insolação, tontura, torção de pé, enfiar o pé num buraco…, e estar sozinho(a), pode dificultar o socorro.

Me primeiro campo pós formado, no qual me
arrebentei nos espinheiros :]

Por sorte, até hoje eu não tive acidentes com animais, mas já tive perfurações por plantas, quedas, e fiquei todo engalhado em touceiras… e dos tombos que levei, sempre havia alguém para prestigiar e dar boas gargalhadas.

Mas, já tive queda enquanto estava em campo sozinho? Sim, foi no meu primeiro campo logo após me formar (em área próxima a foto acima), estava em meio a uma malha de espinheiro / maricá (Mimosa bimucronata (DC.) Kuntze) entrelaçado com cipós com belos exemplares de espinhos de mais de 7 cm de cumprimento (experiência inesquecível, e marcante – marcado na pele).

Vigilância constante

Mini cacto em tronco de árvore, se tocar...já sabe!

A atenção precisa ser redobrada. Cuidado onde pisa, onde toca (imagine colocando a mão na árvore para se firmar, e tocar no pequeno cacto da figura acima), o que se aproxima. Se tem algum buraco no solo, no tronco da árvore, se tem fissura no tronco com entrada de animais.

Lagartas de borboletas e mariposas podem gerar acidentes dolorosos. Se a pessoa possui alergias, já leva medicamento antialérgico de uso corriqueiro da pessoa.

Informe para onde vai

Você vai a campo, não em um motel com seu crush… deixe as pessoas informadas de seu paradeiro. Tenha uma rota e trilha a ser percorrida, deixe essa informação com um familiar ou conhecido(a).

Muitas vezes, no campo que irá visitar, o telefone não funcionará, e planejar seu campo antes de ir realizar, é importante. Assim, mantenha os seus contatos, rotas e pontos importantes para seu campo nas mãos de alguém responsável (sim, você não é criança, mas lembre-se que sempre haverá alguém preocupado com você, não mate essa pessoa de desespero).

Ah, mas não consigo traçar um caminho do local, pois nunca estive pessoalmente lá. Faça um polígono demarcando a área de estudo, e coloque pontos nos locais prováveis que estará estudando (pontos de referência), local onde deixará seu carro. Assim, em caso de emergência, o resgate poderá traçar melhor rota para lhe socorrer.

Exemplo hipotético de informativo de campo (Google Earth).

Como posso fazer este mapa? Use o próprio Google Earth, faça uma delimitação simples e salve o KML, depois envie para a pessoa que ‘cuidará de você’. Como na imagem anterior, eu informei que irei iniciar os trabalhos no ponto 1 e vou até o quinto (para salvar o KML, clique com o botão direito do mouse sobre a pasta dos pontos na área a esquerda > salvar como).

O objetivo é nunca precisar de socorro, mas a prevenção… guarnece a vida. Gostaria de conhecer um pouco sobre conceitos e mapas, confira o eBook e curso livre que desenvolvi em 2020.

Contratar um guia

Trilheiros(as) de plantão, fiquem atentos(as), vocês podem achar que conhecem a natureza, mas cada ambiente é diferente. Nada mais correto que contratar um(a) guia para lhe ajudar no caminho correto e melhor a ser traçado.

Não é muito usual para profissionais, quando vamos executar um estudo em campo já pré-determinado, e com objetivos explícitos, mas… em alguns casos, e em situações de passeios, deve-se sempre contratar um(a) guia capacitado(a). A ‘sua/nossa’ economia pode gerar dores de cabeça, e custos elevados de socorristas e cães farejadores, tudo isso numa busca prevenível.

Equipamentos de proteção Individual (EPI)

Não foram uma ou duas vezes que ouvi isso, mas inúmeras pessoas já questionaram do motivo de eu usar EPI, isso mesmo, algumas pessoas acham engraçado e desnecessário os equipamentos de proteção, a calça comprida e blusa ou jaqueta, o chapéu com proteção de pescoço, que dirá a perneira. “Nesse calorão, vai derreter”, “vai pra guerra?”, … e por ai vai.

Tenha a consciência de que sua vida importa, sua saúde também. Use sempre os equipamento de proteção individual, dentre eles:

Calça comprida e camiseta comprida ou jaqueta estilo militar: a sua segunda pele protetora, ela não é 100% eficiente, mas aumenta as chances de evitar algum acidente.

Calçado fechado: bota ou coturno ou tênis (galocha machuca os pés, dependendo do campo – a maioria deles). Uma topada ou uma picada, não é algo desejado.

Chapéu ou Chapéu com proteção de pescoço: evite câncer de pele, e que algum galho venha a perfurar sua cabeça ou pescoço.

Perneira: A perneira fica sobre a calça e calçado (ver figura abaixo), e evita, por exemplo, que uma cobra venha a picar sua panturrilha. Neste local, é a área do corpo mais vulnerável para este incidente (não o único).

Luva: quando menos espera, você corta as mãos. E ir a campo com as mão cortadas, é complicado (eu esqueço sempre de usas o.o).

Em campo de restinga, utilizando EPI!

- Não tratamos como EPI, mas água engarrafada (laranja, caso dê muita sede, ela sacia), comida, protetor solar, repelente, desodorante e papel higiênico, são imprescindível ;)

Tempo, temperatura e previsões

Como está a previsão para o tempo? Se for tempo bom, beleza, mas não se iluda, alguns ambientes como costões de serras, chovem corriqueiramente. E, se for tempo nublado ou chuvoso, muitíssimo cuidado em áreas de morros ou montanhas, as trombas d’águas costumam ser violentas, pode levar você de arrasto!

Não tem como planejar campo por mais de uma semana de antecedência, pois previsão muda. E com as mudanças climáticas e aquecimento global, isso tem se tornado ainda mais difícil de se prever. Não tenha medo de cancelar o campo, se no dia o tempo não estiver favorável.

Já aconteceu comigo, de ir fazer um trabalho numa cidade a mais de 300 km de onde moro, e na minha cidade estava chovendo torrencialmente. Mas fui a campo, na região onde realizaria o trabalho, havia até um sol exuberante… todavia, o caminho até chegar lá, foi realmente arriscado.

Não beba água da ‘fonte’

Se faltar água pra vocês beberem, tem uma nascente ali. A água é pura! NÃO CAIA NESSA CILADA! Não existe água pura. A água que você bebe, mesmo da torneira, passa por processos de descontaminação. A água na natureza, direto da fonte, está sob risco de contaminação. Num português bem brasileiro: você pode cancelar um campo, por uma bela de uma ‘caganeira’ devida a amebíase contraída pela ingestão de água do riacho, nascente, etc. Existem algumas cápsulas de tratamento, que você coloca na garrafinha e deixa agir, para poder beber posteriormente, mas:

Controle sua 'boca'. Beber água é bom, sim. Beber água demais, não! Como já comentei neste post, levar laranja ajuda a controlar a sede (essa dica eu aprendi com outros ‘mateiros’).

Pensamos o seguinte, se você fará uma trilha que irá durar 8 horas, e leva 1 litro de água, terá cerca de 125 ml por hora (fora que, o alimento que ingerimos também possui água). Nos períodos mais quentes (meio dia, por exemplo), acabará ingerindo mais água, mas há pessoas que não se contentam com essa quantidade, e, em relatos reais de colegas meus que levaram auxiliares a campo, que por tomar toda água rapidamente, tiveram que cancelar já no começo do trabalho.

Ai vem a história da laranja. Um professor meu comentou sobre a água, e uma ‘criatura iluminada’, tomou a água dele e dos demais colegas, já estavam no final da trilha (ponto final, teriam que retornar todo o trajeto novamente). E agora? Sem água, o sedento trilheiro desesperado, e ainda com sede, o que fazer? Solução veio de um dos membros do grupo, que disse, opah, tenho uma laranja aqui… adivinhem, a criaturinha iluminada a comeu, e todos conseguiram chegar sem que a pessoa pedisse mais um gole de água.

Não coma frutinhas ou recursos do local

Frutinhas de goiabeira vista em campo.

Levar aventureiros culinários a campo é tenebroso, e sempre aparece um que quer comer as frutas, as formigas, os cogumelos, as cascas das árvores.

Carinhoso como sou, já digo logo: ‘se tu morrer, vai ficar pelo caminho’. Tem dado certo, mas… mesmo assim, ouvimos o, a relaxa, não vai dar problema… e nhec, uma bocada na pupa da formiga.

Entenda o seguinte: podemos conhecer a planta do campo, sim... alimentícia, pode ser, mas será que ela não possui algum produto químico ou metais pesados? Você sabe onde está pisando? Quando o profissional que está em campo com você, diz para não comer, apenas obedeça ;).

Leve comida de casa, coloque em latinhas e deixe em sua mochila. A não ser que você conheça muito bem a frutinha que está vendo, e sabe onde está pisando, beleza, meta ficha, caso contrário: NÃO COMA NADA! Ah, mas ensinaram que o que os passarinhos comem, podemos comer. Urubu come carniça, confia, vai lá, uma bocadinha ;)

Cuidado com os horários

A não ser que sua trilha seja por mais de um dia em campo, ou você trabalhe com animais noturnos, evite trilhas e campos a noite. Meu campos eu coloco como regra, chegar cedo (entre 7 e 8 horas) e sair no máximo as 16 horas.

Vou falar sobre o meu modo de trabalhar nesta frase: Primeiro que, estaremos trabalhando durante o dia, enxergaremos os obstáculos. Chuva de verão ocorre após esse período (árvore com bichos humanos, atraem raios). Campo longo é extremamente cansativo. Para profissionais, como eu, o campo não se encerra quando se sai da mata, mas todo o processo de identificação, cuidados com as coletas e tabulação, vai até umas 23 horas (sobrando coisas para fazer outros dias, ainda), além de ter que organizar o campo do outro dia.

Nós esquecemos de comer em campo, então, relógio no pulso e, nos horários do ‘rango’, pare e coma, beba água. Dê atenção ao(á) auxiliar, queres fazer xixi, cocô? Somos humanos, e temos necessidades naturais. Leve comidas prontas e de fácil manuseio. E dando umas 15 h 30 min, amontoa todos os equipamentos e prepara o retorno (se der, tome um café da tarde – dificilmente ocorre, pois a exaustão nos faz querer ir embora logo).

Na trilha, veja com seu guia qual o melhor horário para parar e preparar o acampamento. Não monte acampamento a noite. Um colega meu montou a barraca no precipício, em meio a chuva, que sessou ao amanhecer (por sorte, sobreviveu para contar essa loucura).

Bussola e mapa

Se perder é muito fácil, cuidado!

Hoje em dia, todo mundo tem seu celular com GPS, ou GPS portátil, mas… se acabar a bateria? Se o GPS da uma travada? Sempre digo, não confie 100% em tecnologia. Tenha, se possível, um mapa do local. Tenha sempre consigo uma bussola de mão.

É muito difícil criar pontos de referências em campo (olhe a foto acima, e me diga, como criar ponto de referências ali). O que eu faço, é amarrar com um cordão de algodão ou fita colorida com cor berrante/alegre, o caminho que vou tracejando. Graças a esta estratégia, já evitei me perder em campos, que com certeza me perderia.

É possível também criar mapa em papel quadriculado. Vá desenhando pontos de referências. Coloque nele o norte, respeite as metragens ou use passadas como delimitações. Se for andar pŕoximo a fós de rio ou praia, atente-se as marés.

Conclusão

Jurava que este post seria pequeno e resumido, mas deu seis páginas de textos no LibreOffice Write, mas tentei num breve resumo, trazer algumas situações corriqueiras e os cuidados mínimos que precisamos ter ao entrar na natureza.

Para quem é fã da saga Harry Potter, já deve ter ouvido o dito do personagem Alastor Olho-tonto Moody: Vigilância constante. E é isso mesmo, entrar no campo, independentemente se for floresta ou campo de pastagem, os cuidados e as atenções devem ser redobradas.

Vamos a uma curiosidade: na imagem a seguir, você nota que estou sem minha jaqueta camuflada e com uma área do chapéu aparecendo a pele - no local da pele exposta, queimou do sol (erro meu) -, mas referente a jaqueta, eu precisei removê-la por risco/segurança própria, digo isso pois, nós profissionais da área ambiental, infelizmente somos atacados por pessoas com más intenções. Mas, a camiseta de manga cumprida faz o efeito protetivo ;) Portanto trilheiros(as), use ao menos tênis, calça, perneira, camiseta comprida e se possível chapéu/boné e protetor solar (vamos prevenir o câncer de pele).

Trabalhando em restinga arbustiva.

E como este está sendo nosso ultimo post de 2021, desejo a todos um ano novo com bons campos e trilhas, com segurança, atenção e boas vibrações. Vamos construir um ano novo melhor, com mais paz, harmonia, e pé no chão!

Viva a ciência, viva o meio ambiente.
Calebe Borges